CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA NOITE DE CÃIBRAS
Maria João Brito de Sousa
Merda para as questões que nunca me puseram!
Um soprozinho de nada, a arder por dentro dos sentidos, um arrepio qualquer no virar da esquina de uma frase ambígua, um toque de raspão onde a colisão das decisões deveria impor-se. Coisas, demasiadas coisas por dizer num universo inteiro de intuições evitáveis.
Falta-me tempo e eles não podem sabê-lo. Falta-me vida onde descrêem da mera ousadia.
A palavra, por vezes, treme-me na agonia dos dedos crispados, desequilibra-se e estatela-se desfeita nos cacos da chávena de chá. Assim a bebo, assim a sirvo – quando a quereria intacta, mesmo que menos útil… – apenas aromatizada pela breve, breve memória das ilusões que há muito deixei de comprar na loja falida das coisas demasiadamente supérfluas para se tornarem duradouras.
Nas ruas mais ou menos degradadas do meu corpo cruzam-se, a cada instante, homens, mulheres e crianças cobertos de todas as fomes, de todas as sedes. Nenhum egoísmo – do pouco que me resta nas prateleiras do armáriozinho dos últimos socorros – os poderá fazer retroceder.
Paro. Descanso de mim mesma. Que não deles, que não do cinzento que os cobre desse entardecer de todas as esperanças. Depois retomo o ritual do chá inevitavelmente derramado, em líquidos estilhaços sobre um pedaço de chão que se perdeu no tempo. Sirvo-o, ainda que tardio. Sirvo-o, ainda que o saiba um sucedâneo das colisões frontais que nunca aceitariam entender.
Sobra-me, sempre, uma vontade incómoda a resistir no derradeiro reduto de cada contrariedade.
Maria João Brito de Sousa – 29.05.2012 – 03.00h
IMAGEM - Tela de Pablo Picasso retirada da net. Trabalho ilustrativo do seu período de cubismo analítico.