CRIAÇÕES E RE-CRIAÇÕES
Maria João Brito de Sousa
Esticou os braços em direcção ao aspirador e parou, de repente, ao som do despertador. “Horas de acordar, caso tivesse chegado a adormecer…”, constatou com um sorriso genuíno.
Parou para reflectir, entre duas tarefas iminentes. Decidiu-se por uma terceira e ali ficou a rabiscar sobre o papel Fabriano, enquanto, lá fora, o sol nascia.
Os traços multiplicavam-se-lhe, lestos, sobre a superfície branca, levemente rugosa. Haveria acasos, afinal? Não, não era isso que estava em causa. O que, subitamente, se colocava em causa era a essência dos acasos… de onde vinham, por que razão vinham ou nasciam exactamente ali, tomando aquela forma precisa na sua imprecisão.
E se nada os produzisse? Se existissem por si só… não! Nada de nada existia só por si no universo inteiro. Essa era uma das poucas certezas que tinha. Uma verdade absoluta que aprendera a tomar como fronteira do seu conhecimento. Talvez nunca a tivesse aprendido. Acreditava que todos os seres vivos traziam consigo um património genético que jamais deveria ser desprezado e ela não seria excepção… seria portanto essa certeza uma das suas características enquanto individuo de uma determinada espécie. Muito bem.
Os traços, agora abundantes, cessaram de nascer e o momento pediu-lhe outra reflexão.
Brevemente, muito brevemente, nasceria mais um soneto.
Maria João Brito de Sousa