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Algumas linhas sobre poesia e poetas, transcritas de uma dissertação de Cunha e Silva Filho que, nestes pontos, subscrevo integralmente.
..."Os autores menores, ficcionistas, poetas ou dramaturgos, têm muito a nos ensinar e a nos transmitir. Todavia, o gênero poético é o que mais inflaciona um contingente enorme de autores menores, os quais tanto podem aparecer nas metrópoles quanto nas cidades menores.Há quem os chame depreciativamente de poetoides ou poetrastros, versejadores ou por outros epítetos análogos. São denominações constrangedoras, que susceptibilizam as pessoas, que devem ser usadas com muito cuidado. Alguém já afirmou que a literatura não só vive de gênios ou de grandes talentos. Não teria graça se assim o fosse. Os gênios são poucos. O que, porém,
não falta são escritores de menor expressão. Ainda mesmo entre os talentosos há os que não alcançam notoriedade nacional e muito menos universal."
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..."O que diferencia o poeta menor do poeta maior: Eis uma questão que não é tão fácil assim de resolver, pois depende de vários fatores valorativos e formais, tendo à frente a questão da expressão verbal, enfim, da linguagem literária, da literariedade, da densidade temático-conteudística, da formação intelectual, do talento,da genialidade, da atividade poética contínua, entre outros.
Em geral, o que separa o grande poeta do mau poeta é semelhante ao teste da diferenciação entre um bom compositor de música popular de um mau compositor. Numa palavra, é uma questão de valor estético.
Um dos traços pertinentes e caracterizadores da poesia é o seu caráter de imprevisibilidade, e é esse traço distintivo que delimita a fronteira do nível elevado de expectativa lingüístico-formal. O poeta menor não é alguém visceralmente preocupado com a linguagem elevada ao estatuto metalinguístico. Esse nível altíssimo de elaboração formal tem por meta perseguida pelo artista da palavra a construção de metáforas e imagens que traduzam sentimentos humanos, emoções e realidades diversificadas. Poesia maior é luta pela expressão.
É a "palavra mágica' drummondiana.
Sem preparo artístico, aperfeiçoamento de técnicas e sólida formação literária, não há grande poeta. Ao contrário, o poeta menor, o versejador, esse resulta mais da improvisação, do mimetismo fácil, do que do estudo. Seria poeta mais dependente do fogo da inspiração fácil e artificial, do narcisismo pessoal, da imitação ingênua, da espontaneidade circunstancial que pensa fazer poesia quando apenas está dando largas a desabafos
subjetivos, a dores de cotovelo, a particulares circunstâncias enfrentadas em dado momento da vida. Alguns deles há que conseguem até ser felizes em alguns poemas escritos, mas, no geral, não conseguem um bom nível formal e inventivo de produção poética."...
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..."Entretanto, alguns desses poetas se julgam ingenuamente com talento e dignos de publicação. Abrimos-lhes as primeiras páginas e ali vamos seguramente encontrar o déjá vu : os habituais acrósticos, as dores amorosas, versos às flores, o canto aos símbolos nacionais, os versos à natureza, e frequentemente o clássico lugar-comum: os poemas sobre o amor, correspondido ou não, as palavras adocicadas, com rimas, estrofes, a
linguagem correta, a métrica certinha, tudo segundo o emparedamento tradicionalista do tipo romântico (mais frequente), simbolista ou parnasiano, que pensa que Poesia se faz apenas de rimas, métrica, estrofe, algum ritmo, sentimentos de boa intenção ou palavras de efeito. NADA TÃO DISTANTE DA POESIA. (as maiúsculas foram assim transcritas por decisão minha)
Notas:
1. Ver SOUSA DANTAS, José Maria de. Discurso poético e Discurso não-poético, in: SOUSA DANTAS,
Jose Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1982, p. 18.
2. Emprego o termo "marginal" aqui no sentido de publicar uma obra sem as exigências de fichas de catalogação
nos órgãos competentes, i. e., trata-se de publicações particulares em gráficas ou tipografias. O termo, neste contexto, nada tem a ver com poesia marginal, ou ficção marginal, que são formas literárias diferentes e já bem conceituadas teoricamente."
E, continuando eu, os parágrafos que reforcei ao tomar a decisão de sublinhá-los, não isentam minimamente, no meu entender, os poetas modernistas e pós-modernistas que adoptam o verso branco ou o verso livre, embalados pelo mesmo tipo de motivações e pelo mesmo desinvestimento no estudo da língua e no trabalho continuado, mesmo que o ritmo alucinado das publicações online possa servir-lhes de desculpa para um maior descuido ao nível da produção do texto poético.
A poesia maior, em todas as suas modalidades clássicas ou modernistas, é será sempre uma forma de luta pela expressão.
Que as minhas palavras vos não levem a pensar que tenho uma postura elitista perante a poesia e que ao poeta se exige que tenha frequentado um curso superior. Nada pode ser mais falso, muitos dos maiores poetas que conheci nunca puseram os pés numa universidade e sou a primeira a defender, com "unhas e dentes", se necessário for, a poesia e osextraordinariamente talentosos poetas de cariz popular.
O que não posso, nem poderei nunca aplaudir, é o sistemático desleixo e o facilitismo popularucho ou, por infeliz oposição, os gongorismos pedantes, artificiais e gratuitos que sempre foram recursos muito utilizados pelos "alpinistas" do poema.
Todo o poeta que como tal se assume publicamente pode e deve, na medida do razoável, trabalhar afincadamente no sentido de melhorar, a todos os níveis, a sua produção poética e o seu desempenho ao nível da escrita.
Também esse é um dos pilares de sustentação e uma das mais belas funções da Poesia, esse magnífico e vasto universo da palavra que luta e que canta.
Maria João Brito de Sousa - 19.10.2015
Nota - Os sublinhados são meus.